quinta-feira, 7 de abril de 2011

O chato é antes de tudo um forte

ESTÁ TUDO TÃO chato no Brasil, que vou escrever sobre os chatos. Você é
chato? Nunca saberá. O chato não se sabe como tal, ou melhor, sabe sim, mas sempre tem
a esperança de sair da categoria e ser aceito como não-chato. Por isso, chateia todo
mundo. O chato é, antes de tudo, um carente. Ele vive do sangue dos outros, do ar dos
outros, o chato precisa de você para viver. Sozinho, o chato não existe. Existem vários
tipos de chatos. O mais famoso é o chato de galochas, que eu pesquisei e descobri que a
origem do termo fala do cara que sai de casa com chuva torrencial, põe as galochas e vai a
tua casa para te chatear. Há chatos masoquistas e sádicos. O primeiro é aquele que gosta
de chatear para ser maltratado: "Porra, não enche, cara!” Adora ouvir esta frase, para
remoer um rancor delicioso que valoriza sua solidão: "Não me entendem, logo sou
especial!" O chato sádico, não. Ele quer ver teu desespero e escolhe os piores momentos
para te azucrinar: "Poxa...sua mãe morreu ontem, mas ouve meu problema com minha
mulher..."
Eu não vou fazer aqui um tratado geral dos chatos, como já fez o Guilherme
Figueiredo, aliás um livro chato. Como lutar contra eles! Por exemplo, o Tom Jobim, uma
das maiores vítimas de chatos, ensinou-me um truque: "Use óculos escuros. O chato fica
desorientado quando não vê teus olhos. O chato adora ver o próprio rosto refletido em
teus olhos desesperados. Com você de óculos escuros, ele desiste e vai embora." O chato
gosta de ver teu sofrimento, por isso não adiantam as respostas malcriadas, resmungos.
Ele gruda mais. Nem adianta fingir simpatia, na esperança de que ele parta. Não há
solução. Se bem que a reza ajuda. O chato está falando e você ali lembrando a "Ave-
Maria". Te acalma como um mantra e Deus pode vir em tua ajuda.
Outra técnica que funciona muito é chatear o chato. Seja o chato do chato. Ele
pergunta: "Por que você não volta a fazer cinema? " E você retruca: "Que você está
achando do PMDB?" Faça-o falar, como o Freud agia com as histéricas. O chato falador é
mais suportável do que o chato perguntador. Depois que eu comecei a falar na TV, virei
um papel apanha-moscas para chatos. Não quero bancar o famosinho mas, veja bem
( como dizem os chatos) , o sujeito te vê na TV, no quarto onde ele está transando com a
mulher e você na tela, falando sobre o Chavez... O cara fica íntimo teu e te agarra na rua,
no shopping e gruda, como um colega conjugal. Uma vez, tinha um chato no celular
(grande tipo novo, o chato do celular) e eu tomando um cafezinho no aeroporto, oito da
manhã, indo para Porto Velho, com conexões. "Ihh... meu amor... sabe quem está aqui ao
meu lado? ... O Jabor... é e... quer ver?" Se vira para mim e: "Fala aqui com minha
namorada... o nome dela é Eliette." Esse é primo do chato-corno: "Minha mulher te ama;
dá um autógrafo pra ela... Escreve: Te amo, Marilu..." (O chato-mala nunca tem caneta ou
papel): "Escreve aqui mesmo neste guardanapo molhado..."
Temos também o chato do elevador. Estou num elevador vazio, indo para o 20Q.
Entra um cara e me olha. Eu, precavido, já estou de cabeça baixa. Há uns momentos
tensos de dúvida: "Ele ousará falar? ", eu penso. "Falo com ele ? ", ele pensa. Passam uns
andares. "Ele não vai agüentar", eu penso. Não dá outra. "Você não é aquele cara da TV?
" "Sou... ha ha...", digo, pálido, fingindo-me deliciado. "Só que eu esqueci teu nome...
Como é teu nome mesmo?" "É Arnaldo", digo eu, querendo enforcá-Io na gravata de
bolinhas. "Não... é outro nome... ah... é... Jabor... isso... porra, claro... E é você mesmo
que escreve aquelas coisas... ? " E eu penso, sorrindo simpático: "Não; é a tua mãe que
me manda lá da zona."
Tem o chato-mala, sempre no ataque. Outro dia, também no aeroporto, eu subindo
uma escada, com duas malas e o cara berrou: "Eiii, me dá um autógrafo! " Todo mundo
olhando e eu com duas malas. "Não me leve a mal, mas estou pegando o avião..." E ele:
"Poxa... tu tá ficando é muito mascarado, cara! "
Um dia, houve o clímax, a apoteose do chato do autógrafo. Fazia eu um modesto
xixi num banheiro de cinema, aquele xixi triste e pensativo, quando o cara chegou: "Me
dá um autógrafo?" Fiquei uma arara: "Estou fazendo xixi... tu quer o quê?" E ele: "Qual é
a tua? Tá pensando que eu sou viado? Enfia esse autógrafo..."
Tem muitos tipos. Tem o chato crítico. Ele te agarra na rua e começa com elogios
rasgados: "Você é o máximo; aquele teu artigo foi demais, mas... (trata-se do chato do
'mas'...) mas, você disse uma besteira horrível — o PIB da China não é aquele que você
falou..."
Um chato muito encontradiço é o chato da Ponte Aérea... Ele fica à espreita na
sala, atrás de uma coluna. Você entra... ele te vê de longe... Você pensa: "Será que ele me
viu?" Você finca os olhos no jornal, trêmulo de medo e esperança. Dali a pouco, passos a
teu lado, uma maleta pousando no chão e ele gruda: "Posso lhe dizer uma coisa...?" E pela
lei de Murphy, em geral ele estará na poltrona ao lado no avião.
Tem o chato da foto: "Posso tirar uma foto com você ? " Pronto. Lá estou eu na
rua, abraçado a um idiota de bigode, com todo mundo olhando. Flash! E o cara some num
segundo, com um rápido "obrigado". Esses só querem nos roubar a imagem... O chato da
foto sempre me deixa carente...
Há muitos tipos. O chato-altissonante, por exemplo. Grita no bar, de longe: "Ei,
labor, que que tu tá achando da guerra Israel-Árabe?" Um altissonante uma vez me berrou
na saída de um teatro: "Adoro você... ( eu sorrio, rubro de modéstia) mas tu precisa parar
falar besteira sobre o Lula, hein... ! Olha, por isso o Ferreirinha aqui te odeia! " (Ao lado
dele, está o "ajudante de chato", rindo com deboche. )
Tem todo tipo. E agora tem os "e-chatos" na internet que, aliás, botaram na rede
artigos boçais e maniqueístas, que eu nunca escrevi, assinados com meu nome. Já
puseram um em que "eu" esculhambava a Adriane Galisteu. E agora tem outro rolando,
chamado "Faz parte", onde o falso "eu" humilha aquele rapaz que ganhou o Big Brother.
Além de e-chatos, esses são canalhas e burros.

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