quinta-feira, 7 de abril de 2011

Nosso macho feliz é casado consigo mesmo

QUERO SER FELIZ. Para isso, preciso de modelos. Há os livros de auto-ajuda, há
a felicidade oficial da mídia. Quero ser feliz e, nas revistas, vejo os meus ídolos galãs,
malhados, ricos, rindo entre modelos e apresentadoras. Quero ser feliz modernamente,
mas carrego comigo lentidões, medos, idéias antigas de alegria, traumas, conflitos. Sintome
aquém dos felizes de hoje. Não consigo me enquadrar nos rituais de prazer que vejo
nas revistas.
Posso ter uma crise de depressão em meio a uma orgia, não tenho o dom da
gargalhada infinita, posso chorar no auge de uma bacanal. Fui educado por jesuítas e pai
severo, para quem o riso era quase um pecado, a gargalhada, uma bofetada.
Para mim, felicidade era uma missão, a conquista de algo maior que me coroasse
de louros, a felicidade pressupunha "sacrifício", luta por cima de obstáculos. Olhando os
retratos antigos, vemos que a felicidade masculina era ligada à idéia de "dignidade",
vitória de um projeto de poder; vemos os barbudos do século XIX de nariz empinado,
perfis de medalha, donos de algum poder nem que fosse sobre a mulher e os filhos
aterrorizados.
Nos meus 20 anos, meu ídolo era o James Bond, bonito, corajoso, entendendo de
vinhos e de aviões supersônicos, comendo todo mundo de smoking. Mundano? Sim, mas
mesmo o Bond se esforçava, pois tinha a missão de salvar o Ocidente. Era um trabalhador
incansável que merecia as louraças que papava.
Hoje não. Nossos heróis masculinos não trabalham. A mídia nos ensina que os
heróis da felicidade não têm ideal algum a conquistar, a não ser eles mesmos. A felicidade
virou uma autoconstrução de sucesso... de bom desempenho. O solitário feliz suga o
prazer em cada flor, sem conflitos, sem dor sem afetos profundos mas sempre com um
sorriso simpático e congelado. O herói feliz passa a idéia de que não precisa de ninguém,
de que todos são objeto de seu desejo de que todos podem ser prisioneiros de seu charme;
mas ele, de ninguém. A felicidade moderna é o consumo do outro. Para o herói da mídia,
o mundo é um grande pudim a ser comido, sem nada a se dar em troca. Meu homem feliz
pode ter todas as mulheres, mas é casado consigo mesmo. Não pensem que estou
criticando isso; estou é com inveja desta leveza de ser, dessa ligeireza. Ligeireza é a
palavra — velocidade nas vivências e relações.
Assim como a mulher da mídia deseja ser um objeto de consumo, como um
eletrodoméstico, quer ser um avião, uma "máquina" peituda, bunduda, sexy ( mesmo se
fingindo) , também o homem da mídia deseja ser "coisa", só que mais ativa, como uma
metralhadora, uma Ferrari, um torpedo inteligente e, mais que tudo, um grande pênis
voador, um "passaralho" super-potente, mas irresponsável e frívolo, que pousa e voa de
novo, sem flacidez e sem angústias. O macho brasileiro tem pavor de ser possuído por
uma mulher. Não há a entrega; basta-lhe o "encaixe". O herói macho se encaixa em
heroína fêmea B e produzem uma engrenagem , repleta de luxos e arrepios, entre lanchas
e caipirinhas, entre jet-kis e BMWs, num esfuziante casamento que dura três capas de
Caras. E, ainda por cima, atribuem uma estranha "profundidade" a esta superficialidade
porque hoje, esse diletantismo tem o charme de uma sabedoria "pós-utópica".
Meu homem moderno tem orgasmos longos, ereções vítreas e telescópicas, sem
trêmulas "meias-bombas", meu homem feliz é bem informado e cínico, meu homem
conhece bem as tragédias modernas, mas se lixa para elas, não por maldade, mas por uma
crua "maturidade", um alegre desencanto. Meu homem vive em velocidade. O mundo da
internet, do celular, do mercado financeiro global imprimiu-lhe seu ritmo, dando-lhe o
glamour de um funcionamento sem corrosão, uma eterna juventude que afasta a morte.
Meu homem é antes de tudo um forte, mas um negador. Para ser feliz é necessário
negar, denegar, renegar problemas, esquecer as tristezas do mundo. Esta é a receita de
felicidade: não pensar em câncer, nem em angústia, nem na miséria do povo. Mas chega
um dia em que o herói se deprime, um dia em que a barriga cresce, o amargor torce-lhe os
lábios e o homem feliz percebe que também precisa de um ritual de encontro, algo
semelhante à boa e "velha" felicidade.
Meu homem feliz intui confusamente que a aventura da verdadeira solidão é
apavorante. Daí, ele evita que qualquer profundidade existencial possa pintar, que a idéia
de morte e finitude apareça à sua frente, senão sua "liberdade" ficaria insuportável. E, aí,
ele passa a viver um paradoxo: ligar-se sem ligar-se. Ele percebe que precisa do
casamento protetor como uma esperança de "sentido". Aí, ele se casa, entre risos dos
amigos, como se tivesse cedido a uma fraqueza. E viverá infeliz, numa eterna
insatisfação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário